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A prisão

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A negação do habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “contribui para que ninguém esteja acima da lei”. Foi assim que a Procuradoria-Geral do Brasil comentou, em nota, o resultado do julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no início da madrugada de quinta-feira (05), decidiu, por maioria, negar o pedido dos advogados de Lula.


Algumas horas depois, o juiz Sérgio Moro, encarregado dos processos relativos à Operação Lava Jato, de combate à grande corrupção, no Tribunal Federal de primeira instância, em Curitiba, a capital estadual do Paraná, no sul do Brasil, decretava a prisão do ex-presidente.

No despacho enviado à Polícia Federal, o juiz, alvo, em várias ocasiões, das ameaças públicas, mais ou menos veladas, do ex-presidente,  determina que Lula não poderá ser algemado em caso algum e que ficará em cela especial na Superintendência da PF em Curitiba.

“Relativamente ao condenado e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedo-lhe, em atenção à dignidade do cargo que ocupou, a oportunidade de apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal em Curitiba [capital estadual do Paraná, sul do Brasil] até as 17h do dia 06/04/2018, quando deverá ser cumprido o mandado de prisão”, decidiu Moro.

“Esclareça-se que, em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintendência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”, diz o mandado de prisão.

O líder histórico do PT deverá começar, assim, a cumprir a pena de 12 anos e um mês de prisão a que foi condenado, em segunda instância –  o equivalente ao Tribunal da Relação em Portugal – pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do apartamento triplex no Guarujá, praia do litoral de São Paulo, que terá recebido de presente da construtora OAS. Lula nega a pés juntos, apesar das provas e testemunhos apresentados.

Este é um dos nove processos-crime a que o ex-presidente responde perante a justiça brasileira. Na sua maioria, são relativos a crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, como é o processo de uma chácara (quinta) no interior do estado de São Paulo, oferecida pela Odebrecht, mas que Lula nunca colocou em seu nome, ou o dos caças Grippen para a Força Aérea, comprados à sueca Saab, e que, segundo os investigadores, poderão ter rendido vultosa quantia.

Não me parece que seja de festejar ver seja quem for ir para a cadeia. Há mais de duas décadas escrevi um conjunto de reportagens sobre o trabalho nas prisões portuguesas. Visitei vários estabelecimentos prisionais, onde falei com numerosos reclusos. Uns eram homicidas, outros tinham passado cheques sem fundos, outros evitavam falar sobre os motivos das condenações. Voltava a casa ou à Redação da revista em que trabalhava mergulhado em pensamentos sombrios.

Hoje, ao saber do mandado de prisão contra Lula ouço o estouro de um foguete, lançado possivelmente próximo do bairro onde moro. Como não é dia de futebol, associo a manifestação festiva a algum dos muitos adversários que Lula criou. E o sentimento que me assola é, simultaneamente, de tristeza e de um certo alívio. Não de regozijo.

Talvez se esteja a fazer Justiça, mesmo que por linhas tortas. Afinal, muitos milhares de brasileiros cumprem pesadas penas por pequenos crimes. Milhares de jovens pobres, caídos nas teias do tráfico, são lançados em prisões em que a esperança é palavra proibida. Para esses não há segunda, nem terceira, nem quarta instância. Eles e elas não têm qualquer possibilidade de usar os meandros das leis, que  podem prolongar por anos e anos, até à prescrição, o cumprimento das penas a que foram condenados. Não têm dinheiro, nem são amigos dos reis.

Quando me lembro de tudo isso, penso que Lula, na verdade, ainda é um privilegiado. Muitos dos seus companheiros de partido e de “malfeitos” estão há anos a dormir em calabouços. Desde o tempo do “mensalão”, no seu primeiro mandato, quando os votos de deputados eram comprados a peso de ouro. Dessa primeira grande tropelia, Lula livrou-se. Não viu, não ouviu e nada disse. Saiu incólume.

Hoje,  o ex-presidente que traiu as esquerdas que nele acreditaram, o ex-presidente-tribuno capaz de empolgar as massas mais desvalidas do país com promessas insustentáveis, ao mesmo tempo que tuteava com os grandes senhores do capital, da indústria e das fazendas a perder de vista, hoje, o Lula que brilhou no céu cinzento de um Brasil profundamente desigual e corrupto, hoje, esse ativista que se deixou seduzir e empolgar pelo poder, pelos salões palacianos dos bairros ricos das capitais, está à beira da prisão.

A vitimização faz parte do seu percurso político. Não lhe é conhecida qualquer autocrítica. Não parece ser de sua índole assumir responsabilidades e abrir caminho à reconstrução de um partido, originariamente de gente honesta, que outros fundaram e do qual se afastaram, forçados ou por vontade própria.  Lula não é mais o “lulinha paz e amor”. Lula que já foi quase “o dono disto tudo” está, agora, cada vez mais longe do Palácio do Planalto, com o qual parece ainda sonhar.

O antigo metalúrgico, quando investido da faixa presidencial, com invejável índice de popularidade, não conseguiu, ou não quis, libertar-se do apego ao poder. E nessa febre de  ânsia desmedida pela sua manutenção, própria ou estimulada pelos que lhe eram mais próximos, recorrendo a alianças sem princípios, e sem escrúpulos pelo uso criminoso do erário público, que não podia ignorar, abriu as portas à instalação nos poderes dos setores mais conservadores do país e , obviamente, não menos corruptos.


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Escrito por: África 21 Digital

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