Como era previsível, a chamada “Acção Humanitária” de ajuda à Venezuela já criou um clima de alta tensão e confronto na fronteira daquele país com o Brasil. Até ao momento, há pelos menos dois mortos e dezenas de feridos. Nas próximas horas, a situação pode agravar-se ainda mais.
Os acontecimentos desenrolam-se aparentemente de acordo com um cenário traçado que visa desde o início provocar um incidente de alta letalidade que atice ainda mais os ânimos e crie no plano internacional ambiente favorável a uma intervenção externa comandada direta ou indiretamente pelos EUA ou – numa versão mais benigna – acabe por dividir os militares venezuelanos e encorajá-los a dar um golpe contra Maduro.
A situação humanitária na Venezuela é grave e Maduro tem nisso certamente muita responsabilidade. Mas a verdade é que aos seus erros e à sua repressão, também se juntaram as sanções económicas impostas por Washington.
Em qualquer caso, a via que está a ser seguida não se sustenta à luz do direito internacional. A prática consagrada até agora nesse plano sempre foi a de os países reconhecerem quem controla o aparelho de Estado. Ao decidirem quebrar com essa regra, algumas dezenas de países – mas não a maioria e não alguns dos maiores e mais poderosos como a China e a Rússia – abriram um precedente grave que só pode estimular os confrontos.
Tal decisão não anula, entretanto, as normas do direito internacional vigentes, incluindo a Carta da ONU, que claramente estipula que os países se devem abster do uso da força ou da sua ameaça.
Que estamos perante uma clara violação do direito internacional prova-o o próprio facto de as grandes agências internacionais de ajuda humanitária não estarem envolvidas na acção em curso, que é apenas promovida pelos EUA com a ajuda, agora, do Brasil de Bolsonaro e da Colômbia.
Se o objectivo fosse de facto ajudar os venezuelanos, havia certamente outras formas de fazer chegar a ajuda sem correr o risco de provocar incidentes sangrentos. O objetivo é claramente político e o que está em causa é obviamente o petróleo.
Noutros lugares de tão grandes ou maiores violações dos direitos humanos – Gaza, Iémen, por exemplo – não há este tipo de acção organizada
Em resumo – Não há qualquer mandato da ONU para o que se está a passar e as próprias regras da ajuda humanitária proibem o uso de ações de ajuda com fins polítcos.
Não concordo, portanto, com a fórmula adoptada. Mas isso não faz de mim um apoiante de Maduro.
Essa táctica do quem não está connosco está contra nós foi usada durante séculos e mais recentemente na guerra do Iraque, com as consequências catastróficas que se conhecem, de que a Europa ainda está hoje a colher os amargos frutos.
Agora, os dados estão lançados – resta esperar que haja um mínimo de bom senso de parte a parte e seja ainda possível evitar uma grande tragédia.
Infelizmente, a situação no plano internacional – é o mínimo que se pode dizer – não é encorajadora. Desde pelo menos a Guerra do Iraque está criado um clima de vale tudo em que se desrespeitam abertamente os tratados internacionais e as normas mais elementares da convivência humana, numa espécie de vertigem de encantamento pelas medidas de força e violência. Começam a cair os tratados. A continuar assim, isso só pode significar uma coisa – uma nova grande guerra.
A Europa, que poderia fazer a diferença, sucumbe uma e outra vez aos ditames americanos. E o secretário-geral da ONU, última instância do equilíbrio mundial e da paz, está pura e simplesmente ausente. Quem nos acode?