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Lava Jato entre avanços, recuos e ameaças

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A Operação Lava Jato completa cinco anos neste domingo (17). Conforme divulgado pelo Ministério Público Federal no Paraná, os 1.825 dias de trabalho de investigação, acusação e julgamentos resultaram em 242 condenações contra 155 pessoas. É muito? É pouco? Depende, é claro, da pressa com que olhamos o mundo. Pela parte que me toca, lembrando o refrão de uma “chula” portuguesa, cantada, se não estou em erro, pelo Fausto e Sérgio Godinho, afirmo e repito: “para pior já basta assim”.


Cinco anos depois, ou seja, 1.825 dias de trabalho de investigação, acusação e julgamentos resultaram em 242 condenações contra 155 pessoas. Muitas delas continuam reclusas em estabelecimentos prisionais; outras conseguiram o regime de prisão domiciliar; e outras estão no sistema semi-aberto, em que apenas estão obrigadas a dormir na prisão. Quase todos se locupletaram com o erário público. Uma farra.

A operação atingiu grandes grupos empresariais do país, sobretudo na área da construção, destacadas figuras do mundo empresarial e políticos de quase todos os partidos que partilharam o poder nas últimas décadas, entre eles o PMDB, o PP, o PT, o PSDB, e o DEM e vários outros com menos peso no puzzle partidário do Brasil.

A partir de uma operação realizada em 17 de março de 2014, em Brasília – tendo como alvo físico um estabelecimento de venda de combustíveis e lavagem de veículos (lava-jato), no coração da capital brasileira, e por pano de fundo a investigação de crimes financeiros, de sonegação fiscal e evasão de divisas -, foi revelada a ponta de um esquema criminoso de grande amplitude.

Foi o fio de meada que abriu caminho à descoberta do funcionamento do “petrolão”, centrado na estatal de petróleos Petrobras.

Daí nasceu e foi instalada a força-tarefa Lava-Jato, que reúne procuradores do Ministério Público Federal, policiais federais, auditores da Receita Federal, técnicos do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Nomes destacados da política, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do MDB, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foram parar à cadeia. Marcelo Odebrecht, filho do dono do império, também.

Dezenas de senadores e deputados federais enfrentam processos na Justiça. O envolvimento em esquemas de corrupção de destacados dirigentes de partidos da área da centro-esquerda brasileira, em particular de Lula e de vários outros dirigentes petistas, a par de erros graves de governação por parte da sua sucessora no Palácio do Planalto, Dilma Rousseff, do PT, abriram caminho a uma onda de insatisfação popular de grandes proporções.

O governo de Michel Temer, do MDB, que subiu à presidência na sequência do impeachment de Dilma Rousseff, não conseguiu tirar o país da profunda crise econômica e de instabilidade política e social em que o país tinha mergulhado. Temer, denunciado também por crimes de corrupção, bem como vários integrantes da sua equipe, aumentaram o descontentamento nacional.

E os principais dirigentes petistas não souberam ou não quiseram distanciar-se dos crimes e erros cometidos por vários dos seus principais responsáveis políticos.

Neste quadro, setores da direita e da extrema-direita, com o apoio mais ou menos velado de generais, usaram com relativa facilidade o descontentamento popular, possibilitando a eleição do antigo capitão do Exército, Jair Bolsonaro – que durante vinte e oitos anos exerceu o mandato de deputado federal, quase sempre em pequenas formações políticas, e sem brilho – para presidente da República. As cruzadas prometidas por Bolsonaro respondiam ao que as classes alta e média desejavam ouvir. A terminologia comum aos anos da guerra fria voltavam estar em destaque.

De acordo com dados divulgados pelos magistrados e dirigentes policiais envolvidos diretamente na Lava Jato, ao longo destes cinco anos foram proferidas sentenças em 50 processos, por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica (falsas declarações).

Os investigadores e os magistrados do Ministério Público conseguiram que cerca de R$ 2,5 bilhões retornassem à Petrobras, a principal estatal brasileira lesada pelo esquema. Há ainda 11,5 bilhões a serem devolvidos aos cofres públicos, conforme acordos já estabelecidos.

No total, de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, entre elas a gigante Odebrecht, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019 (anexo II). O MPF tem expectativa de que o valor apurado possa chegar a R$ 40 bilhões, segundo números divulgados pela Agência Brasil.

Ao longo dos últimos cinco anos foram desencadeadas 60 fases. A Lava Jato fez 91 acusações contra 426 pessoas, nem todas processadas. Mais de 180 pessoas denunciadas fizeram acordo de delação premiada e passaram a colaborar com as investigações.

Agora, após cinco anos, avolumam-se, no novo quadro político brasileiro, as ameaças à continuidade do processo de combate à corrupção.

O principal juiz responsável pelas condenações na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sergio Moro, foi nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro. Uma nomeação muito comemorada pelos bolsonaristas, que viram a cooptação do juiz como um cheque de credibilidade ao governo, que, menos de três meses após a sua formação, já enfrenta investigações que colocam dúvidas sobre as promessas de ética e de probidade feitas durante a campanha eleitoral. O ministro do Turismo é suspeito de corrupção eleitoral e um dos filhos do presidente da República,  o senador Flávio Bolsonaro, é investigado por supostas irregularidades financeiras.

A decisão tomada na última semana pelo Supremo Tribunal Federal de dar à Justiça Eleitoral competência para investigar casos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes comuns, até agora atribuição da Lava Jato no âmbito da Justiça Federal, é vista como uma séria ameaça ao combate à corrupção iniciado há cinco anos. Ou seja, os obstáculos ao combate à corrupção podem vir de dentro do próprio aparelho de Justiça.

O tempo dirá como estará o estado da corrupção no Brasil dentro de quatro anos. Da corrupção e de tudo o mais. Por enquanto, parafraseando o poeta português, cujo nome não recordo, “para pior já basta assim”.


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Escrito por: África 21 Digital

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