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Tempo de incertezas na Argélia após a morte do general Ahmed Gaïd Salah

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O poderoso chefe do Estado-maior general das Forças Armadas Argelinas, general Ahmed Gaïd Salah, morreu segunda-feira, em Argel, aos 79 anos, vitima de um ataque cardíaco, anunciou a Presidência da República, que decretou três dias de luto nacional.


João Gonçalves, Angop

O homem forte da Argélia morreu quatro dias depois da sua última aparição pública, aquando da investidura do novo Presidente eleito, Abdelmadjid Tebboune, e foi substituído interinamente pelo general Saïd Chengriha, chefe do Estado-maior do Exército.

Omnipresente no terreno, foi ele quem, em Abril de 2019, na sequência da pressão dos manifestantes contra o regime, forçou a demissão do Presidente Abdelaziz Bouteflika, a quem era o fiel dos fiéis, escreve Ana Silvestre do jornal francês “Courrier Internacional, citando o diário argelino El Watan”.

Para a jornalista, que se baseia no jornal argelino Liberté de Outubro último, foi também o general Salah que manteve a eleição presidencial, quando a anulação da mesma era reclamada por uma parte da população daquele país do Norte de África.

Os processos contra os caciques do regime Bouteflika, nomeadamente do seu irmão Saïd, não foram suficientes para satisfazer os manifestantes, sublinha o “Courrier International”.

O “beijo de aranha”, é o título do artigo de Naïm Kamal, para ilustrar a morte do chefe das forças armadas argelinas.

“Oficialmente morreu de um ataque cardíaco. Mas, numa Argélia tão opaca, onde mesmo a morte, em 1978, de Houari Boumediene, pai fundador desta Argélia, criou suspeições, depois do funeral, a morte de Gaid Salah vai dar muito que falar”, escreve.

“Esta morte oportuna, três dias depois da tomada de posse de um novo Presidente, como se depois da sua missão cumprida, os músculos do seu coração decidissem repousar de forma merecida, essa decoração, apanágio dos chefes de Estado, que apenas se dá aos mortos, esse verso do alcorão, que canta louvores aos que entre os crentes atingiram o zero, tudo concorre para fazer crer que a casada era muito bela”, sublinha Kamal, em jeito de sátira sobre a morte do general.

Naïm Kamal questiona-se sobre se o beijo do novo Presidente, depois da tomada de posse, foi um abraço de reconhecimento da pátria ou um “beijo de aranha” que abraça para melhor sufocar.

Propósitos do  “Hirak” não mudam

Mohamed Sifaoui, membro do “Hirak” (movimento, em árabe), citado pelo jornalista francês Yves Bourdillon, disse que a morte do general Gaïd Salah, não muda nada à falta de legitimidade do regime argelino.

O “Hirak” não aceita reconhecer o novo chefe de Estado. A morte do responsável militar pode galvanizar as centenas de milhares de manifestantes que marcham todas as sextas-feiras em Argel e nas várias cidades do país, que, para esta semana, projectaram greves e cortejos, para forçarem a saída de todos os dirigentes do país, a quem acusam ser um sistema mafioso.

Segundo Yes Bourdillon, o fim da crise depende fortemente da personalidade do general Said Chengriha, 74 anos, que assume interinamente a chefia do Estado Maior.

Já Saïd Salhi, membro do “Hirak”, e vice-presidente da Liga argelina para a Defesa dos Direitos Humanos, a morte de Ahmed Gaïd Salah pode fazer evoluir o regime.

O “Hirak” é o movimento que forçou a demissão do Presidente Bouteflika, a 02 de Abril de 2019. Os seus protestos esporádicos iniciaram a 16 de Fevereiro, contra o que poderia ser o quinto mandato de Bouteflika.

Seguiram-se protestos contra o seu projecto, também contestado pelas Forças Armadas, de continuar no poder no termo do seu quarto mandato, no quadro de uma transição e de uma reforma.

Posteriormente, reclamaram a instalação da segunda República, e a saída dos dignitários do regime, por eles querem organizar a próxima eleição presidencial com os caciques do regime, conduzindo à eleição do antigo Primeiro-ministro, Abdelmadjid Tebboune, também contestado pelos manifestantes.

Neste período foram destituídos e presos elementos como Said Bouteflika, vários antigos Primeiros-ministros, entre os quais Ahmed Ouyahia,  Abdelmalek Sellal, e ainda Louisa Hanoune.

O papel central das Forças Armadas

Numa das suas recentes edições, a revista “Les Cahiers de l’Orient” escreve que as Forças Armadas Argelinas jogaram, desde muito cedo, um papel central na política do país. No limiar da independência, em 1962, eram a única instituição organizada, capaz de preencher o vazio institucional deixado pelo Estado francês.

Elas assumiram o papel da construção da Nação, facilitadas por uma dominante ideologia de planificação, e apoiada por vários meios,  como, nomeadamente, o controlo dos postos chaves e dos Serviços Secretos.

É importante salientar que com essas técnicas de dominação, o Exército regula o regime político argelino, mas sem se implicar na governação diária do país. Aqui reside uma das principais características do controlo do Exército sobre o regime argelino.

Para legitimar esse papel na construção do país, as Forças Nacionais Populares (ANP) buscam a veia nacionalista saída da guerra de independência.

A imagem do militar modernizador e vanguardista permite-lhes associar-se nessa nova edificação.

Todavia, o aumento da contestação islâmica, no inicio dos anos 1990, veio perturbar o mecanismo de instalação de uma democracia, considerada de “fachada” (dimuqratyya shaklyya).

O Exército apresenta-se como o guardião das instituições.

O afastamento dos elementos da Frente Islâmica de Salvação (FIS) começa com uma hegemonia militar sobre o político, nomeadamente através do recurso ao Estado de sítio, de urgência e depois a instalação de instituições de excepção dominadas pelas Forças Armadas.

Com esta perícia, a elite militar consegue orientar “à distância” o poder político argelino.

É exemplo disso a nomeação do Presidente Chadli Bendjedid, abrindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de agir directamente, em caso de ameaça sobre o regime.

Hoje, as Forças Armadas Argelinas, além de continuarem a controlar o regime, gerem um Orçamento de cerca de 15 mil milhões de dólares por ano, o que cria uma vasta elite militar cleptocrática, agora contestada na rua.

O general Saïd Chengriha, que substituiu Gaid Salaha, nasceu em 1945, na região de Biskra. É um dos mais antigos oficiais das Forças Armadas Argelinas “um falcão”. É também conhecido por nunca sorrir.

Considerado como próximo do defunto, foi até segunda-feira comandante das Forças Terrestres. Apoiante da Polisário e da independência do Saara Ocidental, supervisionou recentemente a protecção dos mil quilómetros de fronteiras argelinas, no deserto.


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Escrito por: África 21 Digital

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